sábado, 6 de abril de 2013

miscelânea


Incrível, mas não falha: toda vez que tenho um serviço chato pra fazer, mas daqueles bem cabeludos, fico grávida de ideias. São versos, frases, textos inteiros que me acometem. Agora, mesmo, estou com uma mudança pra providenciar, mas um poeminha me cutuca a cabeça desde manhã. Também tem duas cenas que presenciei há pouco, que não posso deixar escapar. O jeito é empurrar a tarefa azeda pra mais tarde, sentar-me diante desta tela azul e malhar os dedinhos.

História 1:
Supermercado lotadaço, como convém a um sábado de manhã. Mas, como não sou mulher muito grande, sou ágil e costumo fazer poucas compras, levo vantagem. Escolho um carrinho dos pequenos e saio driblando o povo, tudo com muito jeito, com licença, por favor... e logo estou com tudo resolvido. Passo seguinte: a fila. Aí não tem jeito, é preciso paciência. Eu me preparo psicologicamente e encaro numa boa. Mas hoje foi difícil. Na minha frente, uma moça de vinte e poucos anos. Com uma filha que não tinha mais de seis aninhos. Muito falantes, as duas. Cada uma consigo mesma, claro, que diálogo ali seria pedir demais.
Até que a menina gritou para a mãe: Mamãe, eu quero salgadinho. Precisou gritar três vezes, até a mãe atendê-la: Pois vá, vá, menina, que não vai me deixar em paz mesmo! Ô menina essa, meu Deus!
E lá se foi a criança sob meu olhar aflito, rabo de cavalo rebolante, para o meio do povo. E nunca mais voltou. Eu já estava cogitando a possibilidade de abandonar a fila e sair atrás da pequena. A mãe, nem tchuns. Até que ficou pronta. Então lembrou-se da filha e começou a gritar histericamente: Quéli! (ou Kely, não sei). Ô meninha, onde tu te meteu, sua maluca! Eu não disse que tenho pressa? Ô menina essa pra sê lesa, meu pai!
O desfecho da história não sei.  A mulher saiu com o carrinho de compras, quero crer que para procurar a filhinha. Eu fiquei no caixa, ocupada com minhas compras. Ocorreu-me: tanta mulher por aí transbordando amor  materno que não consegue ser mãe...

História 2:
Chegando em casa, ao  retirar as compras do carro, atrapalho-me com duas jovens senhoras que passeiam pela calçada em frente ao prédio. As duas muito bonitas, amáveis, perfumadas. Uma delas com um cachorrinho no colo, melosinha, fala com ele: Ah, bebê, fique quietinho, mamãe não quer que suje os pezinhos na lama. A amiga sorri e, debruçando-se sobre o carrinho que empurra, pergunta: Minha fofucha quer fazer pipi? Eu, cheia de sacolas nas mãos, enquanto espero que as duas me deem espaço, já ensaio aquele sorrisinho protocolar de quem olha pra uma criança. Até que o bebê responde. Com um latido.
Aí que não sei... Claro, nada contra os pets, as pet shops, os pet-pais, pet-vovós, e a todo carinho que se dedique aos animaizinhos de estimação e a todos os animais do universo (ufff!, acho que me expliquei bem). Nada disso, por favor. Mas não posso deixar de cruzar (sem duplo sentido!) as duas histórias. E há  coisas que me causam certa estranheza, não consigo evitar. Eu espero que Deus (aquele a quem a mãe da menina invocou) ou seja lá quem for que esteja mexendo os pauzinhos (como diz meu pai), espero que  saiba o que está fazendo.


O Poema:
Todo meio-dia ele surgia na esquina
e vinha e vinha -  devagar como convinha -,
sandálias riscando a calçada.
Na boca, um gostinho de cocada branca.
Os olhos cheios de malícia doce
transbordavam carinho, prometiam carícias.
Chegava se achegando,
chegava murmurando para a moça da janela:
Você é minha, assim toda bem feitinha.
E mesmo que não fosse, porque não quisesse,
nada mais era preciso além de abrir os braços,
espaço exato pro aconchego dela.

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