terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Exercendo o lado feminino



Dia desses, numa daquelas conversas tranquilas de domingo, P. disparou:

- Sabes que é muito bom conviver contigo? Nem pareces ser uma mulher.

Fiquei alguns segundos olhando pra ele com cara de: “Como assim?!” Não sabia o que dizer, o que sentir. Até que entendi: aquilo pretendia ser um elogio. Porém continuei sem saber se xingava ou agradecia. Mas confesso que senti um calorzinho no coração. Antes que me entendam mal, sou muito mulher e, pelo menos hoje em dia, adoro minha condição feminina.

Mas nem sempre foi assim. Lembro que, na adolescência, eu e a maioria de minhas amigas achávamos que seria muito melhor se tivéssemos nascido homens. Do modo como entendíamos, para eles tudo era mais fácil e – principalmente – tudo permitido. Para as mulheres (pelo menos, para as do tipo comunzinho, como nós), eram só repressões.

E assim segui pensando, durante os primeiros anos da minha juventude. Até que resolvi: já que não podia mudar de sexo (àquelas alturas, já estava me acostumando e até gostando de ser mulher – vamos combinar, tem suas vantagens), seria uma mulher “muito macha”. Minha frase preferida passou a ser: Se homens conseguem fazer, eu consigo fazer melhor. E, realmente, pautei minha vida por essa idéia durante muitos anos.

Casei, tornei-me mãe de filhos (um casal) e fui tratando de passar minhas convicções aos meus pequenos. Meu filho aprendeu, desde cedo, a considerar a irmã e, de resto, todas as mulheres, como iguais; e a respeitar as pessoas que se dão ao respeito, homens ou mulheres, tanto faz . Minha filha nunca ouviu frases do tipo: Isso não é brincadeira de menina. Não podes fazer isso; afinal, és uma menina. Ou: Se fizeres um biquinho, conseguirás tudo o que quiseres. Ou qualquer coisa do gênero.

Tenho muito orgulho da educação que dei aos meus filhos. Claro que cometi erros - quem não os comete? -, mas fiz o melhor que pude, ah isso fiz!

Mas o tempo foi passando e aquela coisa de ser bem “macha” começou a pesar demais. Fazia de tudo para não pedir favores, considerava que tinha obrigação de fazer tudo sozinha e de modo, se não perfeito, quase. Julgava que buscar a perfeição era a obrigação maior do ser humano e levava isso às últimas consequências. Outra das máximas que seguia à risca: O maior desafio do homem é a coerência entre suas ideias e suas ações. E lá ia eu, desatinada, atrás da tal coerência. Com o passar do tempo, no entanto, isso começou a me cansar. E eu comecei a ter dúvidas sobre o valor de tanto radicalismo. As mulheres que eu conhecia eram mais soltas, mais leves, riam mais, preocupavam-se menos, dividiam tarefas, contavam com a ajuda de maridos, irmãos, filhos, amigos. De repente, minhas escolhas passaram a ser um fardo difícil de carregar.

Eu estava com 40 anos de idade quando um livro me caiu às mãos, acidentalmente: “Quarenta: A idade da Loba”, de Regina Lemos, jornalista que morreu vítima de acidente aéreo. Esse foi um dos livros que mudou minha vida. Lendo depoimentos de mulheres dos mais variados perfis, dei-me conta de que precisava abrir mão de muitas de minhas certezas. Basicamente, era fundamental que passasse a encarar a vida de uma maneira bem mais light. Não podia me cobrar tanto (nem cobrar dos outros), devia me permitir errar, aprender a pedir ajuda, relaxar um pouco. Sob pena de não aguentar a jornada até o fim.

A essas alturas já sentia dores no corpo todo, sem explicação. Pura tensão. Então saí a campo para buscar socorro. Psicoterapia, RPG, ioga, caminhadas, massagens, alongamentos, exercícios físicos de todo tipo, meditação... Muito constrangimento senti em sessões de massagem, RPG, ou mesmo com um abraço um pouco mais caloroso, em que apenas o toque de alguém fazia com me desfizesse em lágrimas.

Fiz e continuo fazendo de tudo um pouco e posso dizer que hoje me sinto muito melhor. Já não sou aquela mulher grave, circunspeta, tensa. Aprendi a ser mais condescendente comigo mesma – e com os outros. Já não acho que preciso fazer tudo melhor que todo mundo. Sim, alguns homens dirigem melhor que eu; e daí? Isso não me faz menor. Estou, isso sim, muito mais feliz.

Mas parece que alguns cacoetes permaneceram. Não fosse isso, por que P. diria que não pareço ser uma mulher? Ai, meus sais!, (E lá vou eu, para o início do texto, mãos na cintura: “-Como assim?”)


sábado, 28 de novembro de 2009

Eu?


Esta mulher que é minha mãe,
esta mulher que é minha avó,
esta mulher que é minha filha,
esta é a mulher que sou.
Sou todas elas inda mais algumas
e nenhuma delas, nenhuma,
nenhuma delas é
a mulher que sou.
(atribuído a Clarice Lispector)

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

aniversário de minha pequena


Faz pouco ela nasceu, parece que foi ontem. Chegou linda e seguiu fazendo lindezas mundo afora.

Nem três anos tinha, e resolveu sair de casa. Queria independência. Arrumou a trouxinha (esse, o nome. Roupinhas dobradas com capricho e colocadas no centro de uma toalha de banho – com capuz – cujas pontas ela recolhia com cuidado para que nada escapasse ou amarrotasse) e foi. A escuridão das escadarias do prédio a intimidou um pouco, mas seguiu mesmo assim. A custo de muita conversa, consegui que ela voltasse por “vontade própria”.

Aos seis anos, teve a primeira redação publicada em jornal: Cristiano e seu carro. Aos nove, era líder de turma e viajava pelo interior do RS com o coralzinho do colégio. No outro ano, foi para a Alemanha, em viagem de estudos (música) – ficou um mês.

Quando fez 13, entrou para uma banda de rock, vocalista e guitarrista (tocava violão já desde antes de ser alfabetizada). Nesse ano também – para minha felicidade – passou a comprar suas roupas sozinha (Só eu sei – e o pai dela – o que era levar a “pequena” a fazer compras. Era de chorar, nada lhe agradava). Aos 14, foi capa de revista, com o título: Lugar de mulher é... no estúdio. Em seu aniversário de 15 anos, evidentemente, não queria festa. Tivemos que fazer surpresa. Adorou. Mais tarde trocou a guitarra pelo contrabaixo, aprendeu a dirigir, ganhou buggy, depois um carro “de verdade”; então já saía para baladas e voltava – com sorte – antes de eu sair para o trabalho, na manhã seguinte.

Mal havia feito 20 anos, veio de muda com o irmão e a banda para o Rio de Janeiro. E fez bonito. Hoje escreve. E continua encantando. Deu-me preocupações? Sim, claro, não poucas. Deu-me alegrias? Todas – e ainda me dá.

Minha filha querida sempre foi motivo de todo meu cuidado. Hoje ainda cuido dela – sempre que me permite – e adoro fazer isso. Mas agora ela é mais. É minha filha e é minha mãe.

Parabéns, minha florzinha.



domingo, 22 de novembro de 2009

tempo

Os filhos vão. E eu sigo um passo atrás - agora que eles estão criados - registrando os momentos. Até quando Deus quiser.

sábado, 21 de novembro de 2009

ausência

Ele viajou ontem. Foi ali, volta logo. E eu, que tanto prezo minha independência emocional e privacidade, de repente me flagro sentindo falta, me estranho aos suspiros. E olha que já não tenho 20. Será grave?

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Paquetá

Preciso escrever sobre Paquetá. Minha visita à ilha foi impactante demais. Não a conhecia ainda, o que é imperdoável para quem mora no Rio há quase quatro anos, já. Mochilinha nas costas, muita expectativa, Estação das Barcas. Decepção: que lugar mais feio, encardido! Já dentro da barca, o sentimento se confirmou: o “aroma” era de xixi.

Eu não sou de me assustar com facilidade; e em qualquer situação, sempre acho que, afinal, alguma coisa há de se aproveitar. No entanto ainda teria mais alguns dissabores. Ao desembarcar em Paquetá, o sentimento foi de desânimo. Muita sujeira, por todos os lados. E mau cheiro. Triste.

Li num livro (desculpem, não posso citar a fonte – minha memória, com o passar dos anos, tornou-se, como gosta de dizer uma pessoa a quem amo muito, “uma vaga lembrança”); mas li num livro que o Brasil é um país barroco (pelos contrastes) e que o Rio é barroco por excelência. Que verdade verdadeira!

Voltando a Paquetá: no caminho para o hotel – de charrete, um charme! – os sentimentos se alternavam. Fiquei encantada com tanta beleza. Mas, a cada passo, mais lixo. E animais que me dão arrepios: corvos.


Porém, realmente, a natureza ali é pródiga. E, além das belezas naturais, outras surpresas agradáveis como a simpatia e boa vontade das pessoas, o que de certa forma compensa a falta de estrutura turística. E peculiaridades como o baobá (segundo o condutor da charrete, a árvore é uma de apenas quatro existentes no Brasil – o homem está mal informado, mas tudo bem); o cemitério de pássaros (nosso amigo da charrete disse que é único no mundo – duvido, mas fiquei com preguicinha de checar); e o Mercado Livre, modelo primitivo e encantador de Classificados.

É importante que eu diga, ainda, que, logo que voltei da ilha, soube que uma carioca a quem admiro e respeito foi a Paquetá também há pouco tempo e voltou de lá muito bem impressionada com a estrutura da ilha, que está, segundo ela, muito melhor do que há alguns anos. Fiquei assim... Vai ver a situação era desesperadora, de abandono total, e por isso a boa impressão da moça; vai ver eu tive o azar de ir num dia ruim (realmente, tinha chovido muito nos últimos dias). Ou - quem sabe? - talvez minha amiga tenha uma visão um tanto romântica do lugar, daquelas difíceis de desfazer, coisa de infância. Voltarei para conferir? Pelo sim, pelo não, vou dar um tempo.

Obs: Relendo o texto (sempre faço isso antes de postar), fiquei com a impressão de que ele não faz jus aos encantos de Paquetá. Observem as fotos, deliciem-se com elas. E julguem. Ou vão até a Praça XV, peguem a barca, ...

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

de pais e filhos (ou: de dores e amores)

Dia desses, uma personagem de novela falou que mãe, quando ouve desaforos de filhos, perdoa, diz que não faz mal. E emendou: -“Isso é o verdadeiro amor.” Achei meio triste, mas concordo. Em parte. Não há mãe nem pai que não tenha passado por isso, por melhor que o filho seja. E eles sempre perdoam. Eu também. Mas não acho que “não faz mal”, nem deixo essa impressão. Filhos às vezes esquecem (os que costumam lembrar) que pai e mãe também é gente. Mas nós, os pais, temos obrigação de não nos esquecermos disso. Somos pessoas, e merecemos respeito. Por isso, nas poucas ocasiões em que isso aconteceu comigo, fiquei magoada, sim. Mais que isso- indignada. E me senti totalmente à vontade para expressar meus sentimentos.

(Pausa para reflexão)

Engraçado, de repente me dei conta de que também sou filha. Mãe, pai, por favor, me desculpem. Juro que não faço mais.



sábado, 7 de novembro de 2009

ops!


Hoje, relendo o texto “Simples Assim”, dei-me conta de que, lá pelas tantas, cometi um engano ridículo. Ao tentar reeditar, para conserto, outro erro: apaguei tudo. Então refiz e postei novamente. Tudo bem, acho que a ordem não altera... O chato é que perdi os comentários – tão amadinhos. Peço desculpas. Coisas de amadora.


simples assim (reeditado)

Domingo de sol, decidi ir até a praia para uma caminhada. Saí de casa pensando na conversa que tinha tido (MSN) com um dos meus irmãos, mais cedo. “Precisamos aprender a curtir as coisas simples da vida”, ele disse. Grande verdade, meu irmão. E lá fui eu, debaixo de quilos de protetor solar, atenta à simplicidade da vida. As ruas do meu bairro são arborizadas, muito agradável andar a pé. Chegando à praia, me espantei com a quantidade de gente. Claro, com um domingo assim! E o mar, ah, a cor do mar! Azul. Um azul tão... azul! Sempre me emociono com a cor deste mar (quem é do RS, como eu, sabe do que estou falando). É uma linda visão. Fiquei lá parada, só olhando, tentando absorver a energia do lugar e do momento. E me senti tão feliz que quase chorei. Olhando o azul profundo do mar, lembrei das palavras de Caymmi:

“É doce morrer no mar...” e entendi. E me dei conta, de repente, de que, se morrer no mar pode ser doce, nada na vida pode nos assombrar.

Voltando para casa, já na minha rua, depois da caminhada revigorante, mente e coração tranquilos, “passo lasso” (adoro essa expressão), corpo já pedindo alongamento, dei-me conta do cenário: Sombra, ventinho agradável, aqui ou ali perfume de flores. Privilégio meu? Com certeza, é um privilégio poder usufruir de tanta coisa boa. Mas tudo está ao alcance de todos, a beleza está onde há vida. Talvez num cantinho escondido, ou num gesto, num olhar. É necessário, apenas, olhos de ver. Não é isso mesmo, meu irmão?

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

revisitando o Rio de Janeiro - 2

Pois recebemos visitas. Muito bom rever familiares, varar madrugadas conversando, fazer comidinhas especiais e, logicamente, passear com eles, levá-los a conhecer o Rio. E tome bondinho, trenzinho, forte de Copacabana, Jardim Botânico, Grumari, etc, etc, etc. Passeios clássicos, obrigatórios. Só neste ano, já fizemos o roteiro três vezes. Mas não nos queixamos, pelo contrário. Gostamos muito de rever esses lugares tão bonitos, e com tantas peculiaridades que é comum nos admirarmos a descobrir um novo detalhe, que antes nos fugira.

Sim, Gilberto Gil, o Rio de Janeiro continua lindo.

Mas, voltando às visitas, a cada passo é necessário traduzir, dar explicações - e é muito divertido ver o ar de incredulidade das pessoas.

- Não, querida, não é nada pessoal; aqui certas pessoas não têm, mesmo, muita pressa. A operadora do caixa precisa, primeiro, terminar de contar para a empacotadora como foi o fim-de-semana – com de-ta-lhes. Em seguida ela nos atenderá, tem paciência.

- Sim, aqui convivemos com jacarés (pausa na caminhada para fotografar e filmar dois dos amáveis bichinhos); não, eles não invadem as casas, só quando chove muito (olhos arregalados e repentina pressa para sair da pontezinha – hehe, que maldade!)

- Claro que aqui no Rio tem mulheres bonitas. Aliás, muito bonitas. Apenas que, como explicou minha nora carioca (linda moça, por sinal), elas não costumam ir à praia nos finais de semana: não gostam de disputar terreninhos de um metro quadrado, nem pretendem esconder seus belos atributos debaixo de toda aquela areia grudenta. Logicamente, preferem retocar o bronzeado em piscinas nos altos dos prédios, de onde têm uma visão espetacular da cidade – e do povão lá embaixo.

- “Bixcoito grobo sal e doce” quer dizer: bolachinhas de polvilho (acho), salgadas e doces. Quer provar?

E mais:

- Esse creminho branco que a moça está passando no corpo com uma luvinha é um produtinho que ela acabou de comprar daquele moço ali e que vai deixar os pelinhos do corpo douradinhos. (Tudo no diminutivo, numa tentativa de amenizar a incrível visão de uma moça corpulenta toda empapada com o tal “creminho” branco, de pé, imóvel por uns 10 minutos).

Ah, o Rio de Janeiro continua lindo! E os cariocas são pessoas maravilhosas. O que mais admiro neles é a capacidade de fazerem o que têm vontade, não se importando com o que os outros vão pensar ou dizer a respeito. Isso é ótimo; desde que não fira o próximo. Simples e óbvio - infelizmente, nem sempre as pessoas têm esse cuidado. Mesmo os cariocas, quase sempre tão gentis.



terça-feira, 3 de novembro de 2009

revisitando o Rio de Janerio

Visitas propiciam esse programa delicioso. Por enquanto, só a foto. Logo escreverei a respeito.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

A Curva do Vento

Uma das lembranças mais marcantes da minha infância tem o vento como protagonista. Quando nuvens negras escondiam o céu, minha mãe acendia velas, queimava raminhos secos e espalhava tudo pela casa, murmurando frases incompreensíveis, entrecortadas pelo susto. Eu adivinhava: o vento, logo ali, do outro lado da curva, preparava-se. De início viria cauteloso, espiando aqui e ali; em seguida, já conhecendo o terreno, ele se tornaria agressivo, ameaçador. Descabelava moças, levantava saias, derrubava roupas dos varais. Voavam papéis, latas, galhos de árvores. Ainda ouço o barulho.

Eu sentia muito medo. Medo de que me levasse a mim, para um lugar feio e sombrio.

(Suspiro) Pois em Paquetá tem um lugar chamado “Curva do Vento”. Precisei me conter para não apressar o passo.



sábado, 24 de outubro de 2009

primeiro post

Ansiedade inicial compreensível. Evidentemente, queremos fazer bonito. Nossa intenção é registrar aqui tudo o que nos surpreender – agradavelmente ou não – e expressar a sensação ou lembrança que o fato nos causar. Esperamos que o blog sirva como ponte - que nos conduza até nossos amigos queridos e que também nos possibilite ampliar o círculo de amizades. E lá vamos nós!