domingo, 20 de maio de 2012



Sou gaúcha, moro há seis anos no Rio. Vim toda feliz, todo gaúcho adora o Rio de Janeiro. No entanto morar aqui é outro papo. Falando em papo, os problemas da comunicação... um horror, no início parecia que eu estava em outro país. Mas o pior, o horror dos horrores é que não se pode relaxar no fim de semana fazendo ... um churrasco, claro.

Apartamento com varandão... beleza, espaço perfeito para colocar uma  churrasqueirinha para seis pessoas. Tudo combinado, lá vai o marido comprar a carne – bem gorda –, batata, óleo  e ovos. E sal grosso.  Se o churrasco fica bom só com sal grosso? Capaz que não!

Mas... primeiro problema: a carne. Aqui no Rio, a carne... não é carne. Simples assim. Segundo problema: os vizinhos. Ok, a tal churrasqueira faz um pouco de fumaça, mas quer coisa melhor que cheirinho de churrasco, no domingo, entrando sem pedir licença na sala da gente?  Ah, esses cariocas... façam-me o favor!

Claro, carioca também gosta de assar uma carne... mas não é churrasco. Ouvi uma moça dizer – com a maior desfaçatez – que adorava quando, nas férias, combinavam fazer churrasco. Segundo ela, é muito prático, “só jogar uma carne na brasa e cada um come quando tem vontade”. Cristo!!! (não este do Rio de Janeiro, de braços abertos, maravilhoso, acolhendo gaúchos, baianos, paraibanos... Estou falando com um Cristo gaúcho, que deve se contorcer ao ouvir tal heresia.)

Não, churrasco não é nada disso! O churrasco é um ritual que começa no dia anterior. Tudo muito bem acertado. Quem vai comprar a carne? (meio quilo de carne por pessoa, se for carne com osso. Se for sem osso, aí já não sei. Afinal, essa tarefa não é minha). Onde? (onde o marido, o pai, o irmão ou  o cunhado tiver um amigo açougueiro). E a bebida, quem vai trazer? (isso é fácil, só ir ao súper – supermercado no gauchês.  Ah, é bom que a cerveja seja Polar.  Bairrismo? Capaz!). E quanto de cerveja? (aí começam os problemas: Eu  só bebo refri – é, mas teu marido enxuga uma caixa de Brahma, quer dizer, Polar). Afinal, quantas latinhas por pessoa? (não importa, sempre vai faltar na metade da tarde, e aí a bronca recomeça: - Quem vai buscar mais cerveja?)

Ah, e tem a maionese,  a cargo das mulheres.  Duas ou três para descascar e cortar as batatas, e uma com braço forte pra preparar o creme. Se mais de uma mulher  mexer o cremezinho, ele desanda. Outra coisa: se a mulher estiver... ah, deixa pra lá, isso deve ser bobagem. Quatro ovos cozidos mais dois ovos crus, que é bastante gente. E dá-lhe óleo! E dá-lhe mexer! No finalzinho, um pouco de leite ou de vinagre (particularmente, prefiro vinagre, que é pra dar um azedinho), e voilá! Só despejar sobre a batata, misturar e pronto. E rezar. Mas não tem nada, Deus (assim como Cristo – dizem ser a mesma pessoa, mas aí já é outra história) é gaúcho. Não há de ter salmonela nesses ovinhos crus, e do mais a gente mesma cuida. É só deixar na geladeira até a hora de servir, e não permitir contato com nada de alumínio: dizem que envenena tudo.

Mas não era nada disso que eu queria dizer. Queria mesmo era falar do encontro, da delícia de rever os parentes todos depois de uma semana de trabalho, alguma amiga comum trazida pela irmã, conhecer o mais novo amigo do irmão caçula, abraçar a filha do outro irmão, que há tempo não se via, implicar com o pai, ficar de mão dada com a mãe, discutir tudo aquilo que não se deve, como política e religião.  Gargalhar até doer a barriga. Queria dizer da gostosura que é poder contar as novidades para todos, compartilhar os sonhos, planejar o próximo réveillon, fazer uma fofoquinha, sentir-se  criança novamente, brincar de brigar com o irmão e gritar: Paieee, olha ele aqui!

Brigar de verdade? Briga-se também, evidentemente.  Mas logo vem o abraço, a risada solta, o beijo que já adivinha a saudade.

Ah, a comida... Na hora em que a carne fica pronta, mal passada ou ao ponto – nem pensar em carne torradinha! –, o assador  da vez grita avisando, fica batendo com a faca no espeto, o chato, atrapalhando a prosa que rola solta;  a dona da casa vai buscar a maionese e todos se colocam à mesa, sentados ou em pé,  para fazerem a refeição. Nesse  momento sagrado, cessa a balbúrdia, as vozes ficam mansas ou silenciam, apenas ouvem-se elogios aqui e ali.

Uma hora depois, alguém grita: Mano, pega lá o violão!

(Para as preocupadas com o corpitcho:  Claro, eu não diria que é uma comida light. Não é. Mas, afinal, depois teremos  a semana inteirinha pra suar na academia. No domingo seguinte, qual o cardápio? Ganha um negrinho quem adivinhar.)

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