Sou gaúcha, moro há seis anos no
Rio. Vim toda feliz, todo gaúcho adora o Rio de Janeiro. No entanto morar aqui
é outro papo. Falando em papo, os problemas da comunicação... um horror, no
início parecia que eu estava em outro país. Mas o pior, o horror dos horrores é
que não se pode relaxar no fim de semana fazendo ... um churrasco, claro.
Apartamento com varandão...
beleza, espaço perfeito para colocar uma
churrasqueirinha para seis pessoas. Tudo combinado, lá vai o marido
comprar a carne – bem gorda –, batata, óleo e ovos. E sal grosso. Se o churrasco fica bom só com sal grosso?
Capaz que não!
Mas... primeiro problema: a
carne. Aqui no Rio, a carne... não é carne. Simples assim. Segundo problema: os
vizinhos. Ok, a tal churrasqueira faz um pouco de fumaça, mas quer coisa melhor
que cheirinho de churrasco, no domingo, entrando sem pedir licença na sala da
gente? Ah, esses cariocas... façam-me o
favor!
Claro, carioca também gosta de assar
uma carne... mas não é churrasco. Ouvi uma moça dizer – com a maior desfaçatez
– que adorava quando, nas férias, combinavam fazer churrasco. Segundo ela, é
muito prático, “só jogar uma carne na brasa e cada um come quando tem vontade”.
Cristo!!! (não este do Rio de Janeiro, de braços abertos, maravilhoso,
acolhendo gaúchos, baianos, paraibanos... Estou falando com um Cristo gaúcho,
que deve se contorcer ao ouvir tal heresia.)
Não, churrasco
não é nada disso! O churrasco é um ritual que começa no dia anterior. Tudo
muito bem acertado. Quem vai comprar a carne? (meio quilo de carne por pessoa,
se for carne com osso. Se for sem osso, aí já não sei. Afinal, essa tarefa não
é minha). Onde? (onde o marido, o pai, o irmão ou o cunhado tiver um amigo açougueiro). E
a bebida, quem vai trazer? (isso é fácil, só ir ao súper – supermercado no
gauchês. Ah, é bom que a cerveja seja
Polar. Bairrismo? Capaz!). E quanto de
cerveja? (aí começam os problemas: Eu só
bebo refri – é, mas teu marido enxuga uma caixa de Brahma, quer dizer, Polar).
Afinal, quantas latinhas por pessoa? (não importa, sempre vai faltar na metade
da tarde, e aí a bronca recomeça: - Quem vai buscar mais cerveja?)
Ah, e tem a maionese, a cargo das mulheres. Duas ou três para descascar e cortar as
batatas, e uma com braço forte pra preparar o creme. Se mais de uma mulher mexer o cremezinho, ele desanda. Outra coisa:
se a mulher estiver... ah, deixa pra lá, isso deve ser bobagem. Quatro ovos cozidos
mais dois ovos crus, que é bastante gente. E dá-lhe óleo! E dá-lhe mexer! No
finalzinho, um pouco de leite ou de vinagre (particularmente, prefiro vinagre,
que é pra dar um azedinho), e voilá! Só despejar sobre a batata, misturar e
pronto. E rezar. Mas não tem nada, Deus (assim como Cristo – dizem ser a mesma
pessoa, mas aí já é outra história) é gaúcho. Não há de ter salmonela nesses
ovinhos crus, e do mais a gente mesma cuida. É só deixar na geladeira até a
hora de servir, e não permitir contato com nada de alumínio: dizem que envenena
tudo.
Mas não era nada disso que eu
queria dizer. Queria mesmo era falar do encontro, da delícia de rever os
parentes todos depois de uma semana de trabalho, alguma amiga comum trazida
pela irmã, conhecer o mais novo amigo do irmão caçula, abraçar a filha do outro
irmão, que há tempo não se via, implicar com o pai, ficar de mão dada com a
mãe, discutir tudo aquilo que não se deve, como política e religião. Gargalhar até doer a barriga. Queria dizer da
gostosura que é poder contar as novidades para todos, compartilhar os sonhos,
planejar o próximo réveillon, fazer uma fofoquinha, sentir-se criança novamente, brincar de brigar com o
irmão e gritar: Paieee, olha ele aqui!
Brigar de verdade? Briga-se
também, evidentemente. Mas logo vem o
abraço, a risada solta, o beijo que já adivinha a saudade.
Ah, a comida... Na hora em que a
carne fica pronta, mal passada ou ao ponto – nem pensar em carne torradinha! –,
o assador da vez grita avisando, fica
batendo com a faca no espeto, o chato, atrapalhando a prosa que rola solta; a dona da casa vai buscar a maionese e todos
se colocam à mesa, sentados ou em pé,
para fazerem a refeição. Nesse
momento sagrado, cessa a balbúrdia, as vozes ficam mansas ou silenciam,
apenas ouvem-se elogios aqui e ali.
Uma hora depois, alguém grita:
Mano, pega lá o violão!
(Para as preocupadas com o corpitcho: Claro, eu não diria que é uma comida light.
Não é. Mas, afinal, depois teremos a
semana inteirinha pra suar na academia. No domingo seguinte, qual o cardápio?
Ganha um negrinho quem adivinhar.)
delícia de crônica... Beijos querida mestra.
ResponderExcluirBom que gostaste, minha linda. Volta sempre, beijo.
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