Porto Alegre, março de 2012. Dia 26. Aniversário de casamento
de Lucas e Patrícia. Pela primeira vez
depois de muito tempo, o aniversário será comemorado apenas pelos dois. Antes,
os filhos sempre estavam presentes. Mas cresceram, foram embora, cada um cuidar
da sua vida.
Meio da tarde, Patrícia sai do salão um tanto irritada
(“quanta perda de tempo!”), Lucas ao celular:
- Neguinha, me chamaram na editora. Parece que, finalmente,
vão editar meu livro.
- Maravilha, Lucas! Mais um motivo pra comemorarmos!
- É...vamos ver as condições.
- Mas Lucas...
- Depois a gente se fala, Neguinha, estou no trânsito. Vou te
falar, hem?! Este teu carrinho é meio lento. Assim que fechar com a editora vou
comprar um carro de verdade pra nós. Que tal?
- hum...
- Ó, passo no escritório às nove pra te pegar. Já reservei a
melhor mesa daquele restaurante que tu adoras, aquele típico alemão. Beijo.
Ela desliga o telefone e, a bordo de um salto 15, concentra-se nas pedras do caminho. Só três quadras até o escritório...o
suficiente para rever vinte e dois anos de vida.
Ah, que encantamento...
Ele apareceu do nada, numa esquina,
com aquele sorriso sedutor, os braços fortes, a cor morena, olhos azuis,
carinho se derramando. Na cabeça de Patrícia, o futuro se desenhou rapidamente:
na companhia daquele homem teria uma
vida plena; era ele o companheiro por quem ansiava, muito carinho e respeito, os
dois trabalhando juntos , dois ou três filhos, ele pai extremoso, ela
organizando a casa...
Ah, que engano... Sim, ele era tudo aquilo. Metade do tempo.
Na outra metade, o oposto. Os braços fortes, os olhos azuis e o sorriso maroto
transformavam-se em um olhar vago fitando o nada; os braços, lassos; o sorriso,
um risco amargo e curvo. Em seguida, lá vinham,
novamente, momentos de êxtase, seguidos
de tempos de depressão.
Enquanto isso, ela trabalhando como um mouro no escritório
herdado do pai; ele ajudava vez por outra (que sua atividade principal era e sempre fora escrever – e ler, e sonhar, e
divagar). Ela administrando a casa,
sustentando a família, criando os filhos; ele, nas nuvens.
Assim se passaram 22 anos. E para comemorar o aniversário de casamento,
irão jantar naquele restaurante “que ela
adora”, comida alemã. Ela, italiana desde a alma, vai mais uma vez fingir que
adora chucrute. É a vida, pensa. E entra
no prédio.
Chama os funcionários, faz a reunião e, enfim, permite-se
descansar um pouco, colocar os pés para cima. Quando vê, nove horas. Telefone:
- Neguinha, ainda não me receberam aqui na editora. Mas não
tem nada, eu fico firme. Estão pensando o quê?! Pega um táxi e vai pro
restaurante que eu logo estarei lá.
No táxi:
“Moço, para o Moinhos,
por favor; restaurante Schullas Kleines Haus.”
- Patinha?!
- Eduardo!
E lá se foram, esquecidos do aniversário de casamento, da
mulher dele, dos anos todos que
passaram, da decepção dela pela falta de ambição dele, da dor que ele sentiu
por não ser amado do jeito que era.
Dia seguinte, dois bilhetinhos cor-de-rosa, mesma remetente:
“Eduardo, noite
esplêndida. Mas volto pra casa.”
“Lucas, reencontrei Eduardo. Adeus.”
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