quarta-feira, 30 de maio de 2012

óculos



Chegou o dia em que meus olhos cansaram, exigiram muletas. Sem problemas, pra mim qualquer tipo de mudança é oportunidade para uma vida melhor.   Na expectativa de ter um mundo mais bonito, pendurei o tal acessório no nariz. Pois... pensando seriamente em aposentá-lo. Bem melhor  continuar a ver as coisas como (não) via.

terça-feira, 29 de maio de 2012

aniversário de casamento


Porto Alegre, março de 2012. Dia 26. Aniversário de casamento de Lucas e Patrícia.  Pela primeira vez depois de muito tempo, o aniversário será comemorado apenas pelos dois. Antes, os filhos sempre estavam presentes. Mas cresceram, foram embora, cada um cuidar da sua vida.

Meio da tarde, Patrícia sai do salão um tanto irritada (“quanta perda de tempo!”), Lucas ao celular:

- Neguinha, me chamaram na editora. Parece que, finalmente, vão editar meu livro.

- Maravilha, Lucas! Mais um motivo pra comemorarmos!

- É...vamos ver as condições.

- Mas Lucas...

- Depois a gente se fala, Neguinha, estou no trânsito. Vou te falar, hem?! Este teu carrinho é meio lento. Assim que fechar com a editora vou comprar um carro de verdade pra nós. Que tal?

- hum...

- Ó, passo no escritório às nove pra te pegar. Já reservei a melhor mesa daquele restaurante que tu adoras, aquele típico alemão. Beijo.

Ela desliga o telefone e, a bordo de um salto 15,  concentra-se nas pedras do caminho.  Só três quadras até o escritório...o suficiente para rever  vinte e dois  anos de vida.

Ah, que encantamento...  Ele apareceu do nada, numa esquina,  com aquele sorriso sedutor, os braços fortes, a cor morena, olhos azuis, carinho se derramando. Na cabeça de Patrícia, o futuro se desenhou rapidamente:  na companhia daquele homem teria uma vida plena; era ele o companheiro por quem ansiava, muito carinho e respeito, os dois trabalhando juntos , dois ou três filhos, ele pai extremoso, ela organizando a casa...

Ah, que engano... Sim, ele era tudo aquilo. Metade do tempo. Na outra metade, o oposto. Os braços fortes, os olhos azuis e o sorriso maroto transformavam-se em um olhar vago fitando o nada; os braços, lassos; o sorriso, um risco  amargo  e curvo. Em seguida, lá vinham, novamente,  momentos de êxtase, seguidos de tempos de depressão.

Enquanto isso, ela trabalhando como um mouro no escritório herdado do pai; ele ajudava vez por outra (que sua atividade principal era  e sempre fora escrever – e ler, e sonhar, e divagar).  Ela administrando a casa, sustentando a família, criando os filhos; ele, nas nuvens.

Assim se passaram 22 anos. E  para comemorar o aniversário de casamento, irão  jantar naquele restaurante “que ela adora”, comida alemã. Ela, italiana desde a alma, vai mais uma vez fingir que adora chucrute.  É a vida, pensa. E entra no prédio.

Chama os funcionários, faz a reunião e, enfim, permite-se descansar um pouco, colocar os pés para cima. Quando vê, nove horas. Telefone:

- Neguinha, ainda não me receberam aqui na editora. Mas não tem nada, eu fico firme. Estão pensando o quê?! Pega um táxi e vai pro restaurante que eu logo estarei lá.

No táxi:

“Moço, para o  Moinhos, por favor; restaurante Schullas Kleines Haus.”

- Patinha?!

- Eduardo!

E lá se foram, esquecidos do aniversário de casamento, da mulher  dele, dos anos todos que passaram, da decepção dela pela falta de ambição dele, da dor que ele sentiu por não ser amado do jeito que era.

Dia seguinte, dois bilhetinhos cor-de-rosa, mesma remetente:

 “Eduardo, noite esplêndida. Mas volto pra casa.”

“Lucas, reencontrei Eduardo. Adeus.”

Prazer, Eliana





                                                       Hoje, sou calmaria

                       Ontem  vendaval

                                                                                       Amanhã  

                                                                                                                     

                                                                                                                  abismo

domingo, 27 de maio de 2012

inevitável




Jovem urge

Adulto preme

Velho é

sábado, 26 de maio de 2012



Muitas vidas já vivi

Já tive  sonhos roubados

 amores desperdiçados

carinhos que nunca quis

 Quantas vidas já vivi

Então que muito  me espanta

ainda o nó na garganta

desejo de ser feliz

...

Se tantas guerras venci


por que me sinto tão frágil


quando estou perto de ti?

quinta-feira, 24 de maio de 2012



Devagar, amanhece.

A brisa do mar acorda o sol

que se espreguiça e sem pressa

doura  nossa janela.



E então...

os cabelos acesos pela luz

instigam, seduzem, prometem;

a  mão leve percorre sendas:

suspiro breve inaugura o dia.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Kira Kirida



 Kira Kirida

Estou me preparando para visitar minha terra, meus amigos, familiares... Animadíssima, aqui! Ansiosa por matar saudades.
Apenas duas preocupações. A primeira é óbvia. Toda vez que vou ao RS  no inverno, prometo que é a última vez que sofro com o frio. Juro que só voltarei na primavera do ano seguinte. Nunca consigo cumprir a promessa.
Meu segundo motivo de preocupação é a cadela da (ops!) ... a cadela que minha irmã tem. Quer dizer... acho melhor falar “cachorro menina”. É... tenho ouvido isso: é menino ou menina? Não sei, acho que a “menina” pode se ofender de ser chamada de cadela. Como diz minha mãe, o mundo está tão diferente! Aliás, a menina é de minha sobrinha;  minha irmã se diz avó da ... enfim... do animalzinho (bem grandinho, diga-se).
Pois que a Kira adora lamber meus pés. Da última vez em que estive na casa dela, tentei fazer um acordo:
-Minha linda, é o seguinte: eu não te lambo, tu não me...
Não cheguei a terminar. Ela me olhou com aquele olhar comprido dela e me respondeu... com uma lambida loooonga  - e úmida.
Eu me encolhi... sempre faço isso, mas não xingo, não quero causar um trauma na menina. A avó da Kira, toda cheia de sabedoria, me perguntou se eu não sabia que os animais são muito higiênicos. Of course que sei. A questão é que a esponjinha que eles usam para fazer a faxininha em todas as partezinhas do corpo “lá deles” é a mesma língua que Kirida usa pra “limpar” meu pé.
Mas não perco a esperança, ainda hei de convencer Kira a deixar  a higiene do meu pé por minha própria conta. Acaba de me ocorrer... é muito bom que seja inverno. Usar botas é garantia de pés sequinhos. (Nada pessoal, gente, apenas questão de preferência.)


"-Dance, dance, Zarité, porque escravo que dança é livre... enquanto dança.
Eu sempre dancei.
Bato no chão com as solas dos pés, e a vida sobe pelas minhas pernas."
Isabel Allende (A Ilha sob o Mar)



O mar devolve à terra

O vento joga pro mar

E o teu olhar tão bonito

Perdido no infinito

Não viu o tempo passar



As pernas, antes esteio, hoje escultura

A bela cintura já foi ventre pródigo

O peito foi seiva; agora é loucura

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Adalberto


Amanhã ele nasceu.

Meu passado, meu futuro,

Meu filho, meu tudo, meu mundo.

domingo, 20 de maio de 2012


Quando o médico sugeriu uma histerectomia, ela concordou, mas deixou claro: da TPM não abro mão!


Sou gaúcha, moro há seis anos no Rio. Vim toda feliz, todo gaúcho adora o Rio de Janeiro. No entanto morar aqui é outro papo. Falando em papo, os problemas da comunicação... um horror, no início parecia que eu estava em outro país. Mas o pior, o horror dos horrores é que não se pode relaxar no fim de semana fazendo ... um churrasco, claro.

Apartamento com varandão... beleza, espaço perfeito para colocar uma  churrasqueirinha para seis pessoas. Tudo combinado, lá vai o marido comprar a carne – bem gorda –, batata, óleo  e ovos. E sal grosso.  Se o churrasco fica bom só com sal grosso? Capaz que não!

Mas... primeiro problema: a carne. Aqui no Rio, a carne... não é carne. Simples assim. Segundo problema: os vizinhos. Ok, a tal churrasqueira faz um pouco de fumaça, mas quer coisa melhor que cheirinho de churrasco, no domingo, entrando sem pedir licença na sala da gente?  Ah, esses cariocas... façam-me o favor!

Claro, carioca também gosta de assar uma carne... mas não é churrasco. Ouvi uma moça dizer – com a maior desfaçatez – que adorava quando, nas férias, combinavam fazer churrasco. Segundo ela, é muito prático, “só jogar uma carne na brasa e cada um come quando tem vontade”. Cristo!!! (não este do Rio de Janeiro, de braços abertos, maravilhoso, acolhendo gaúchos, baianos, paraibanos... Estou falando com um Cristo gaúcho, que deve se contorcer ao ouvir tal heresia.)

Não, churrasco não é nada disso! O churrasco é um ritual que começa no dia anterior. Tudo muito bem acertado. Quem vai comprar a carne? (meio quilo de carne por pessoa, se for carne com osso. Se for sem osso, aí já não sei. Afinal, essa tarefa não é minha). Onde? (onde o marido, o pai, o irmão ou  o cunhado tiver um amigo açougueiro). E a bebida, quem vai trazer? (isso é fácil, só ir ao súper – supermercado no gauchês.  Ah, é bom que a cerveja seja Polar.  Bairrismo? Capaz!). E quanto de cerveja? (aí começam os problemas: Eu  só bebo refri – é, mas teu marido enxuga uma caixa de Brahma, quer dizer, Polar). Afinal, quantas latinhas por pessoa? (não importa, sempre vai faltar na metade da tarde, e aí a bronca recomeça: - Quem vai buscar mais cerveja?)

Ah, e tem a maionese,  a cargo das mulheres.  Duas ou três para descascar e cortar as batatas, e uma com braço forte pra preparar o creme. Se mais de uma mulher  mexer o cremezinho, ele desanda. Outra coisa: se a mulher estiver... ah, deixa pra lá, isso deve ser bobagem. Quatro ovos cozidos mais dois ovos crus, que é bastante gente. E dá-lhe óleo! E dá-lhe mexer! No finalzinho, um pouco de leite ou de vinagre (particularmente, prefiro vinagre, que é pra dar um azedinho), e voilá! Só despejar sobre a batata, misturar e pronto. E rezar. Mas não tem nada, Deus (assim como Cristo – dizem ser a mesma pessoa, mas aí já é outra história) é gaúcho. Não há de ter salmonela nesses ovinhos crus, e do mais a gente mesma cuida. É só deixar na geladeira até a hora de servir, e não permitir contato com nada de alumínio: dizem que envenena tudo.

Mas não era nada disso que eu queria dizer. Queria mesmo era falar do encontro, da delícia de rever os parentes todos depois de uma semana de trabalho, alguma amiga comum trazida pela irmã, conhecer o mais novo amigo do irmão caçula, abraçar a filha do outro irmão, que há tempo não se via, implicar com o pai, ficar de mão dada com a mãe, discutir tudo aquilo que não se deve, como política e religião.  Gargalhar até doer a barriga. Queria dizer da gostosura que é poder contar as novidades para todos, compartilhar os sonhos, planejar o próximo réveillon, fazer uma fofoquinha, sentir-se  criança novamente, brincar de brigar com o irmão e gritar: Paieee, olha ele aqui!

Brigar de verdade? Briga-se também, evidentemente.  Mas logo vem o abraço, a risada solta, o beijo que já adivinha a saudade.

Ah, a comida... Na hora em que a carne fica pronta, mal passada ou ao ponto – nem pensar em carne torradinha! –, o assador  da vez grita avisando, fica batendo com a faca no espeto, o chato, atrapalhando a prosa que rola solta;  a dona da casa vai buscar a maionese e todos se colocam à mesa, sentados ou em pé,  para fazerem a refeição. Nesse  momento sagrado, cessa a balbúrdia, as vozes ficam mansas ou silenciam, apenas ouvem-se elogios aqui e ali.

Uma hora depois, alguém grita: Mano, pega lá o violão!

(Para as preocupadas com o corpitcho:  Claro, eu não diria que é uma comida light. Não é. Mas, afinal, depois teremos  a semana inteirinha pra suar na academia. No domingo seguinte, qual o cardápio? Ganha um negrinho quem adivinhar.)

contração



Chove de novo

de novo eu me derramo

me espalho e depois

me encolho.

sábado, 19 de maio de 2012

pêndulo




É um tal de querer ir, e de querer ficar

De ser pedra e ser mar

Um desassossego, um medo, fúria e aconchego.


É um tal de não saber, não se encontrar

Não ter igual,  não ser par, não ter lugar.





de manhã




O primeiro olhar do espelho

é sempre frio, duro, acusador.

Nele, nunca encontro a inocência da menina

que ainda sou.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

lua enquadrada



Essa luz que brilha

- mesmo encarcerada –

é coração rebelde. Pulsa por quase tudo

ou quase nada.

cintilações



Chuva: cordões de ouro ao vento,

Luzes brilhantes, esmagadas

Aos compassos pelos passos.